UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO (adaptado)
Prof. Dr. Nali de Jesus de Souza
Neste trabalho, será apresentada uma introdução à história do
pensamento econômico, com a evolução sumária da Economia através dos tempos,
com o objetivo de mostrar que o dia-a-dia das pessoas não está dissociado do
aspecto econômico. Tanto a segurança física, a manutenção da vida, como a
alimentação e outras necessidades básicas constituem a preocupação fundamental
dos seres vivos. Desde que acorda todas as manhãs, o homem procura satisfazer
suas necessidades: toma o seu banho, veste-se, alimenta-se, lê o jornal,
utiliza-se de um meio de transporte e se dirige para o trabalho. Para pagar por
esses bens que consume, para ter um mínimo de conforto, ele precisa de uma
renda, que normalmente vem de seu trabalho.
Sempre foi assim através dos tempos. Nas comunidades primitivas, o
homem preocupava-se com a caça , a pesca e com a segurança do lar. A mulher
cuidava pessoalmente da casa e dos filhos, ou administrava os serviços
executados por serviçais. Havia uma divisão do trabalho, que naturalmente
variava em parte de uma comunidade para outra, de acordo com os costumes. Essa divisão
do trabalho evoluiu através dos tempos. Parte dos bens e serviços obtidos
domesticamente passaram a ser produzidos fora da casa ou da comunidade, por
pessoas que se especializavam em determinadas profissões; estes foram os
artífices ou artesãos. Mais tarde, surgiram as fábricas e o trabalho passou a
ser assalariado, dando início ao modo de produção capitalista.
1 - ORIGENS DO PENSAMENTO ECONÔMICO
A Economia surgiu como ciência através de Adam Smith (1723-1790),
considerado o pai da Economia Política. Sua obra, A Riqueza das Nações,
publicada em 1776, constituiu um marco na história do pensamento econômico.
Antes disso, a Economia não passava de um pequeno ramo da filosofia social,
como atestam as contribuições do abade e filósofo francês Turgot (1727-1781), como
será visto adiante. Com o Mercantilismo (1450-1750), as idéias econômicas
conheceram algum desenvolvimento, mas na Antigüidade e na Idade Média as
relações econômicas eram
bastante simples, como será visto a seguir.
1.1 RELAÇÕES ECONÔMICAS NA ANTIGÜIDADE
Mesmo nas sociedades primitivas, os homens precisavam organizar-se
em sociedade, para defender-se dos inimigos, abrigar-se e produzir comida para
sobreviver. A divisão do trabalho daí decorrente permitiu o desenvolvimento da
espécie humana em comunidades cada vez maiores e mais bem estruturadas. Na
maior parte dos casos, a produção era basicamente para a própria subsistência.
Algumas pessoas produziam um pouco mais, permitindo as trocas, o que gerou especialização.
No lar, os homens produziam as ferramentas e utensílios
rudimentares para a agricultura, caça, pesca e para trabalhos com madeira
(enxadas, pás, machados, facas, arco, flechas e outras armas).
Com o tempo, surgiram pessoas com habilidade que se especializaram
na produção de cada um dos tipos de bens. Alguns trabalhadores mais habilidosos
não só aprenderam uma profissão específica, como passaram a reunir aprendizes e
ajudantes. A escala de produção ampliou-se; os produtos adquiriram maior
qualidade e os custos de produção se reduziram em função do aumento das quantidades
produzidas.
Aqueles que produziam armas ou ferramentas específicas tinham
pouco tempo para se dedicar à caça, à pesca ou à agricultura: eles precisavam
trocar os produtos que fabricavam por alimentos e peles para vestuário. Aos
poucos, o trabalho de alguns homens passou a ser suficiente para atender às
necessidades de um conjunto cada vez maior de pessoas. As trocas se
intensificaram, portanto, entre artesãos, agricultores, caçadores e pescadores.
A economia adquiria maior complexidade à
medida que as relações econômicas realizadas em determinadas
localidades alcançavam comunidades cada vez mais distantes. As trocas colocavam
em contato culturas diferentes, com repercussões locais sobre os hábitos de
consumo e a estrutura produtiva. Mais tarde, com o surgimento dos líderes
comunitários, formaram-se as classes dos soldados, dos religiosos, dos
trabalhadores e dos negociantes. Com a divisão do trabalho e as
especializações, ficou bem nítida a formação dos diferentes agentes econômicos:
governo, consumidores, produtores, comerciantes, banqueiros. O sistema bancário
tornou-se importante com o surgimento da moeda, que passou a circular como meio
de troca. Na medida em que ela era depositada nos bancos, passou a ser
emprestada mediante o pagamento de juros. Contudo, entre os filósofos gregos,
com grande influência no mundo antigo, havia restrições filosóficas aos
empréstimos a juros, ao comércio e ao emprego do trabalho assalariado. A busca
de riqueza era considerada como um mal, tendo em vista que a ambição é um
vício. Esse pensamento dificultava o desenvolvimento da economia. De outra
parte, na Grécia antiga, como em Roma, a maior parte da população era composta
por escravos, que realizavam todo o trabalho em troca do
estritamente necessário para sobreviver em termos de alimentos e
vestuário. Os senhores de escravos apropriavam-se de todo o produto excedente
às necessidades de consumo dos trabalhadores. A economia era quase
exclusivamente agrícola; o meio urbano não passava de uma fortificação com
algumas casas, onde residiam os nobres, ou chefes militares.
Para os gregos, a Economia constituía apenas uma pequena parte da
vida da cidade, onde se desenrolava a vida política e filosófica, constituindo
segundo eles os verdadeiros valores do homem. Por essa razão, a obtenção de
riqueza constituía um objetivo bastante secundário na vida dos cidadãos. Para
eles, a questão primordial consistia na discussão acerca da repartição da
riqueza entre os homens e não como ela se obtinha.
Segundo a filosofia grega, o grande objetivo do homem era alcançar
a felicidade, que se encontrava no seio da família e no convívio no interior da
cidade, através da interação entre os cidadãos. A busca da felicidade, no
entanto, não devia se restringir ao prazer, porque seria voltar à condição de
animal e de escravo. A honra era importante na medida em que mostrava ao homem
os verdadeiros valores da vida. Segundo eles, embora o comércio não fosse
considerado como uma atividade natural, as trocas não eram condenáveis pois
permitiam a diversificação das necessidades
humanas e levavam à especialização dos produtores. Entretanto,
como o comércio era uma atividade que não possuía limites naturais e a moeda
facilitava as trocas, criava-se uma classe de comerciantes ricos. Segundo eles,
essa possibilidade de riqueza fácil corrompia os indivíduos, que passavam a dar
prioridade à busca da riqueza, em prejuízo da prática das virtudes. Pela lógica
grega, tornava-se portanto condenável toda prática que levasse à acumulação de
moeda, como a existência de trabalho remunerado e a cobrança de juros nos
empréstimos.
No pensamento de Platão o comércio e o crescimento econômico
associavam-se com o mal e com a infelicidade dos homens. Para ele, o trabalho
era indigno porque retirava do cidadão o tempo que ele precisava para o lazer e
a prática das atividades políticas e filosóficas. Na livro A República, de Platão, os
cidadãos que exerciam altos cargos públicos não deviam “trabalhar” para não
“poluir a própria alma”. Eles precisavam ignorar o dinheiro, desvencilhar-se da
propriedade de bens e esposa,
buscando o que necessitavam na comunidade. Sendo o trabalho
necessário para a atividade produtiva, ele precisava ser realizado por
escravos. A classe inferior, que trabalhava, podiam possuir bens e trocá-los,
bem como acumular riquezas dentro de certos limites para não se tornarem maus
trabalhadores. Ele condenava o empréstimo a juros, pois o ganho provém da moeda
acumulada e, segundo ele, ela devia ser usada apenas para facilitar as trocas.
Aristóteles compartilhava da maioria das idéias de seu mestre
Platão, mais rejeitou a
comunidade de bens por considerá-la injusta por que não compensava
o indivíduo segundo o seu trabalho. Como os indivíduos não são iguais, eles não
deviam ter a mesma participação na posse dos bens. Concluía Aristóteles que a
comunidade acabava produzindo mais conflitos do que a desigualdade em si.
Segundo ele, o indivíduo devia preocupar-se mais com aquilo que lhe pertence e
não com a partilha dos bens existentes. A comunidade, ao desestimular a
propriedade, produz a pobreza. Considerava que o trabalho agrícola devia ser
reservado aos escravos, ficando os cidadãos livres para exercer a atividade
política no interior da cidade.
Para a maioria da população, a cidade constituía um local de
refúgio em caso de ataques inimigos. Constituía também um local de compras, em
que o camponês levava seus produtos para vender e abastecia dos gêneros de
primeira necessidade, sobretudo de bens manufaturados. Porém, as cidades da
Antigüidade eram pequenas e insalubres, salvo algumas capitais e centros administrativos.
A urbanização expandiu-se um pouco com o desenvolvimento das trocas comerciais. Surgiram
cidades relativamente grandes, para os padrões da época, como Atenas, Esparta,
Tebas, Corinto e Roma. Devido à pobreza do solo para o cultivo, a navegação
tornou-se uma necessidade crucial para os gregos, a fim de aumentar as riquezas
de suas cidades, que eram independentes politicamente umas das outras.
No mundo grego antigo justificava-se a escravidão pela idéia de
que alguns homens possuíam uma inferioridade inata. Esse regime de trabalho
atrasou o desenvolvimento da humanidade, pois, como o trabalho era considerado
tortura, os escravos nada faziam para aumentar a sua eficiência. O domínio da
Filosofia sobre o pensamento econômico implicava nas idéias de igualdade entre
os cidadãos e no desprezo pela riqueza e o luxo. O homem devia procurar o
aprimoramento de sua
alma, dedicando a maior parte de seu tempo à meditação, com
prejuízo de sua atividade econômica.
Necessitava levar uma vida simples, o que não favorecia o consumo
e a produção. Essa posição filosófica dificultava, portanto, o desenvolvimento
das relações econômicas. A busca e a posse de riquezas era sinônimo de vaidade,
orgulho e luxúria.
Já entre os romanos o pensamento econômico estava ligado à
política e ao aumento dos domínios nacionais. O espírito imperialista dos
romanos levou à expansão das trocas entre Roma e as nações conquistadas. A
riqueza era sempre bem-vinda, o que se obtinha pela dominação: os povos
conquistados eram obrigados a produzir os bens que os romanos necessitavam
consumir. Os romanos, por seu turno, construíram muitas estradas e aquedutos na
Europa e partes da África, com o fim de facilitar o transporte e o
abastecimento das tropas; essas construções possuíam, portanto, um fim político
e não econômico. Roma surgiu em torno de 750 a.C. e entre 260 e 146 a.C. ela
conquistou a atual Itália, ao vencer seu rival Cartago (reino da África do
Norte, que criou colônias na Itália e Espanha). Posteriormente (Séculos I e
II), ela transformou a Grécia em uma província romana e conquistou
sucessivamente a
Ásia Menor, a Judéia, a Síria, a Espanha e a Gália. Este foi o
primeiro império. O segundo império romano estendeu-se entre os Séculos III e V
da era cristã. As artes se desenvolveram desde o primeiro império. As cidades
se organizavam em torno de um centro político, o fórum. Em volta do fórum, ficavam os mercados, os
templos, os banhos públicos e os teatros. O abastecimento urbano de água era
feito por aquedutos, que eram estruturas áreas sustentadas por grandes pilares.
As águas desciam das fontes pelos aquedutos e abasteciam as termas, os edifícios
públicos e os domicílios.
Com a fundação de Constantinopla em 330 d.C. e a transferência da
corte romana para essa cidade, Roma entrou em decadência. Houve uma substancial
redução dos gastos públicos e redução da massa salarial da cidade. O comércio
foi enfraquecido, assim como as atividades econômicas, parte das quais havia
mudado para a nova capital. O Império do Oriente era uma potência industrial,
enquanto o Império do Ocidente definhava em termos econômicos. As rotas
comerciais que levavam a Roma foram abandonadas e as invasões dos bárbaros
ajudou a afundar o Império do Ocidente.
1.2 RELAÇÕES ECONÔMICAS NA IDADE MÉDIA
Considera-se como Idade Média o período entre o desaparecimento do
Império Romano do Ocidente, no ano de 476, e a queda de Constantinopla, tomada
pelos turcos em 1453. Esse período caracteriza-se particularmente pela
pulverização política dos territórios e por uma sociedade agrícola dividida
entre uma classe nobre e uma classe servil, que se sujeitava à primeira. A economia
conhece um retrocesso, principalmente entre os séculos V ao XI. As trocas
passaram a se realizar em nível local, entre Senhor e os servos; as antigas
estradas romanas deixaram de ser conservadas e tornaram-se intransitáveis
(Hugon,1988, p. 45).
Na base do sistema feudal estava o servo, que trabalhava nas
terras de um senhor, o qual, por seu turno, devia lealdade a um senhor mais
poderoso, e este a um outro, até chegar ao rei. Os senhores davam a terra a
seus vassalos para serem cultivadas, em troca de pagamentos em dinheiro, alimentos,
trabalho e lealdade militar. Como retribuição a essa lealdade, o senhor
concedia proteção militar a seu vassalo.
O servo não era livre, pois estava ligado à terra e a seu senhor,
mas ele não constituía sua propriedade, como o escravo. As trocas
restringiram-se ao nível regional, entre as cidades e suas áreas agrícolas. A
cidade, com seus muros, constituía o local de proteção dos servos, em caso de ataque
inimigo. Aos poucos, porém, passou a ser o local onde se realizavam as trocas,
o mercado.
Desenvolveram-se o comércio, as corporações de ofício, surgindo a
especialização do trabalho. Com as Cruzadas, a partir de 1096, expandiu-se o
comércio mediterrâneo, impulsionando cidades como Gênova, Pisa, Florença e
Veneza.
A Teologia católica exerceu um poder muito grande sobre o
pensamento econômico da Idade Média. A propriedade privada era permitida, desde
que fosse usada com moderação. Resulta desse fato a tolerância pela
desigualdade. Havia uma idéia de moderação na conduta humana, o que levava às
concepções de justiça nas trocas e, portanto, de justo
preço e justo
salário. Nenhum vendedor de um produto ou serviço
poderia tirar proveito da situação e ganhar acima do valor considerado normal,
ou justo. “O justo preço é aquele bastante baixo para
poder o consumidor comprar (ponto de vista
econômico), sem extorsão e suficientemente elevado para
ter o vendedor interesse em vender e poder viver de maneira decente (ponto de vista moral)” (Hugon, 1988, p. 51).
Similarmente, o justo
salário é aquele que permite ao trabalhador e sua
família viver de acordo com os costumes de sua classe e de sua região. Essas
noções de justiça na fixação de preços e salários implicava também a idéia de
justiça na determinação do lucro. Em outras palavras, o justo lucro resultava da justiça nas trocas: ele não
devia permitir ao artesão enriquecer. Havia, portanto, julgamentos de valor na
conduta econômica, ou seja, a Filosofia e a Teologia dominavam o pensamento
econômico. Foi mais tarde que o racionalismo e o positivismo tomaram conta do pensamento
econômico, já no século XVIII.
O empréstimo a juros era condenado pela Igreja, idéia que vem de
Platão e Aristóteles, pois contrariava a idéia de justiça nas trocas: o capital
reembolsado seria maior do que o capital emprestado. Por não serem cristãos, os
judeus receberam permissão para emprestar a juro, razão pela qual se explica a
sua predominância no setor financeiro, em muitos países. A partir de 1400, no entanto,
as exceções ampliaram-se com o crescimento das atividades manufatureiras e do
próprio comércio na era mercantilista.
1.3 MERCANTILISMO
O Renascimento cultural e científico e o Mercantilismo abriram os
horizontes da Europa, a partir de 1450. A reforma de João Calvino (1509-1564),
exaltando o individualismo, a atividade econômica e o êxito material, deu
grande impulso à economia. Enriquecer não constituía mais um pecado, desde que
a riqueza fosse obtida honestamente e pelo trabalho. A cobrança de juro e a obtenção
de lucro passaram a ser permitidas. Entre os protestantes, o verdadeiro pecado
veio a ser a
ociosidade, quando a mente desocupada passa a se ocupar do mal.
Como a leitura da Bíblia tornou-se fundamental no culto, incentivou-se a
educação, o que se repercutiu na melhoria da produtividade do trabalho e no
desenvolvimento econômico.
No início da era mercantilista, ocorreu uma transformação política
na Europa, com o
enfraquecimento dos feudos e a centralização da política nacional.
Aos poucos, foi se formando uma economia nacional relativamente integrada, com
o Estado central dirigindo as forças materiais e humanas, constituindo um
organismo econômico vivo. O governo central forte passou a criar universidades
e a realizar grandes empreendimentos, como as navegações que abriram as mentes das
pessoas.
No plano internacional, as descobertas marítimas e o afluxo de
metais preciosos para a Europa deslocaram o eixo econômico do Mediterrâneo para
novos centros como Londres, Amsterdã, Bordéus e Lisboa. Até então, a idéia
mercantilista dominante era a de que a riqueza de um país media-se pelo afluxo
de metais preciosos (metalismo).
O afluxo excessivo de ouro e prata provocou inflação na Espanha, cuja taxa
chegou a 20% ao ano na Andaluzia, entre1561/1582 (Sachs e Larrain, 1995, p.
820).
Com a idéia de garantir afluxos significativos de ouro e prata
para os seus países, os
Mercantilistas sugeriam que se aumentassem as exportações e que se
controlassem as importações.
Entre os principais autores Mercantilistas, podem ser citados (ver
Hugon, 1988, p. 59 e seguintes):
a) Malestroit (Paradoxos sobre a
moeda, 1566): segundo ele, o aumento do estoque de
metais preciosos não provocava inflação;
b) Jean Bodin (Resposta aos
paradoxos do Sr. Malestroit, 1568): para ele,
maior quantidade de moeda gerava aumento do nível geral de preços;
c) Ortiz (Relatório ao rei para
impedir a saída de ouro, 1588): ele afirmava
que, quanto mais ouro o país acumulasse, tanto mais rico ele seria;
d) Montchrétien (Tratado
de economia política, 1615): ensinava que o ouro e a prata suprem
as necessidades dos homens, sendo o ouro muitas vezes mais poderoso do que o
ferro;
e) Locke (Conseqüências da
redução da taxa de juro e da elevação do valor da moeda, Londres, 1692): argumentava que os metais preciosos precisavam
permanecer no país.
f) Thomas Mun (Discurso sobre o
comércio da Inglaterra com as Índias orientais, 1621).
Através dessa obra, Mun exerceu grande influência sobre o
colonialismo inglês. Na França, o Mercantilismo manifestou-se pelo Colbertismo,
idéias derivadas de Jean Baptiste Colbert (1619-1683), segundo as quais as
disponibilidades de metais preciosos poderiam aumentar pelas exportações e pelo
desenvolvimento das manufaturas. Colbert foi Ministro das Finanças de Louis XIV
e chegou a controlar toda a administração pública. Protegeu a indústria e o
comércio.
Trouxe para a França importantes artesãos estrangeiros, criou
fábricas estatais, reorganizou as finanças públicas e a justiça, criou empresas
de navegação e fundou a Academia de Ciências e o Observatório Nacional da
França. Com a proteção à indústria, as exportações seriam mais regulares e com
maior valor. Com esse objetivo, os salários e os juros passaram a ser
controlados pelo Estado, a fim de não elevar os custos de produção e poder
assegurar vantagens competitivas no mercado
internacional. O Colbertismo implicava na intervenção do Estado em
todos os domínios e caracterizava-se pelo protecionismo, ou seja, pela adoção de medidas pelo governo para proteger as empresas
nacionais contra a concorrência estrangeira. Seu pensamento encontra-se na sua
obra Cartas, instruções e memórias, 1651 a 1669.
Outro importante autor francês que se afastou do pensamento
mercantilista foi Richard Cantillon (Ensaio
sobre a natureza do comércio em geral, 1730).
Cantillon viu no trabalho e na terra os principais fatores da formação da
riqueza nacional. A moeda ingressa no país pelo fato do valor das exportações
ser maior do que o valor das importações. Contudo um excesso de moeda eleva os
preços internamente, o que provoca o encarecimento das exportações e o barateamento
das importações, gerando posteriormente déficit na balança comercial e a saída
de ouro e prata do país.
Na Espanha, o Mercantilismo não teve esse caráter
desenvolvimentista da França, mas foi mais puro em sua essência, ou seja, a
preocupação central era simplesmente obter o ingresso no país de metais
preciosos, seja pelo comércio internacional (maximização das exportações e
controle de importações), seja pela exploração de minas nas colônias. A
preocupação central do governo era financiar a pesquisa e a exploração de ouro
e prata na América espanhola.
Assim, com o objetivo de maximizar o saldo comercial e o afluxo de
metais preciosos, as metrópoles estabeleceram um pacto colonial com suas colônias. Por
meio desse “pacto”, todas as importações da colônia passaram a ser provenientes
de sua metrópole, assim como todas as suas exportações seriam destinadas a ela
exclusivamente. A metrópole monopolizava também o transporte dessas
mercadorias. Para maximizar os ganhos, ela fixava os preços de seus produtos em
níveis mais altos possíveis; inversamente, a fixação dos preços de suas
importações eram os mais baixos. Segundo Celso Furtado, esse “pacto” deu origem
ao subdesenvolvimento contemporâneo, porque implicava em uma sangria permanente
de riquezas que fluíam para as metrópoles.
O principal defeito do Mercantilismo foi ter atribuído valor
excessivo aos metais preciosos na concepção de riqueza. Contudo, sua
contribuição foi decisiva para estender as relações comerciais do âmbito
regional para a esfera internacional. Ele constituiu uma fase de transição
entre o feudalismo e o capitalismo moderno. Com o comércio, formaram-se os
grandes capitais financeiros que de certa forma financiaram a revolução
tecnológica, precursora do capitalismo industrial.
O sistema mercantilista não favoreceu a agricultura, como poderia
ter ocorrido, na medida que todos os países procuram importar o mínimo
possível, mesmo quando havia escassez de alimentos, ou quando se necessitava de
matérias-primas para a indústria nascente. Isso ocorreu na França, pois Colbert
cobrava impostos de importação relativamente altos para a importação de carvão
coque para a fundição de metais.
Naquela época, como nos países em desenvolvimento dos dias atuais,
a agricultura constituía praticamente todo o produto nacional. Inicialmente, os
campos eram cultivados uma vez por ano, com baixa produtividade.
Posteriormente, as lavouras passaram a ser divididas em duas partes, ficando
uma em descanso, para recuperar fertilidade. Mais tarde, o sistema passou a ser
de três campos, o que resultou em aumento substancial da produção agrícola por
área cultivada. Isso fez com que a população européia duplicasse entre os anos
1000 e 1300. O número de cidades aumentou, assim como sua população.
Com o Mercantilismo, as trocas de novos produtos intensificaram-se
entre os países europeus, asiáticos e árabes. Desenvolveu-se o sistema
manufatureiro doméstico, artesanal, dando nascimento à indústria capitalista.
Inicialmente, o mercador-capitalista fornecia ao artesão a matéria-prima, para
que transformasse em produto a ser comercializado.
Posteriormente, o mercador-capitalista passou a fornecer as
máquinas, as ferramentas e, às vezes, o prédio onde os bens seriam produzidos.
Finalmente, em vez de comprar dos diferentes artesãos os produtos que vendia no
mercado, ele acabou contratando também os trabalhadores necessários à produção,
passando a reuni-los em um mesmo local, originando a fábrica. A formação de
grandes capitais, a expansão dos mercados e o surgimento do trabalho
assalariado deram nascimento ao sistema capitalista.
No Mercantilismo, a ética paternalista cristã, católica, ao
condenar a aquisição de bens materiais, entrava em conflito com os interesses
dos mercadores-capitalistas. Aos poucos, o Estado nacional passou a ocupar o
lugar da Igreja na função de supervisionar o bem-estar da coletividade.
Gradativamente, os governos tornaram-se influenciados pelo
pensamento mercantilista. Leis paternalistas, como a Lei dos pobres, deram
lugar a leis que beneficiavam os interesses dos Mercantilistas e do capitalismo
nascente, como a Lei do “cercamento” das terras, ou as leis que davam incentivo
à indústria ou criavam barreiras às importações.
A idéia central do Mercantilismo de que o acúmulo de metais
preciosos era sinônimo de riqueza foi muito criticada pelos economistas das
escolas fisiocrática e clássica. A moeda passou a ter um fim em si mesma e não
um meio de troca. A produção foi relegada a um plano secundário. No entanto, a
valorização dos metais preciosos como moeda trouxe segurança nos pagamentos internacionais.
De outra parte, o aumento do estoque de metais preciosos, ou seja, de moeda, reduzia
as taxas de juro, o que estimulava os investimentos, a produção e o emprego,
contribuindo para o surgimento do modo de produção capitalista.
No Feudalismo, além das trocas serem basicamente locais e
regionais, elas não formavam o centro do sistema econômico, como no Mercantilismo.
O feudo era muito fechado em si mesmo e as relações externas limitavam-se ao
estritamente necessário.
3.1 FISIOCRACIA E DOUTRINA DO LAISSEZ-FAIRE
Na França, o pensamento econômico constituía um segmento do
pensamento filosófico. Com o movimento enciclopedista liderado por Diderot e
d’Alembert, nas primeiras décadas do Século XVIII, os escritos econômicos se
multiplicaram. Surgiram pensadores como Turgot (1727-1781), que defendeu a
livre circulação de grãos entre as regiões francesas, assim como a liberdade
para o comércio internacional e o saneamento das finanças públicas. Antes de
Adam Smith (1723-1790), ele formulou o princípio dos rendimentos decrescentes
na agricultura e formulou os rudimentos da teoria do equilíbrio econômico.
Além do Enciclopedismo, outro movimento intelectual daquela época
foi a Fisiocracia,
que constituiu a primeira escola econômica de caráter científico. A Fisiocracia
foi liderada pelo médico francês François Quesnay (1694-1774), autor da obra O quadro econômico, em que
analisa as variações do rendimento de uma nação. Para “os economistas”, como
passaram a ser conhecidos a partir de então, os fenômenos econômicos precisam
circular livremente no espaço e entre setores, seguindo leis naturais, como o
sangue no organismo humano. Essa idéia de ausência de obstáculos para uma
melhor circulação dos bens e serviços, assim como do fluxo de rendas,
constituiu o embrião das teorias econômicas modernas.
Segundo a doutrina fisiocrática, a sociedade é formada pelas
classes produtiva (agricultores), pela classe dos proprietários de terras e
pela classe estéril, compreendendo esta última todos os que se ocupam do
comércio, da indústria e dos serviços. A agricultura era considerada produtiva
por ser, para os Fisiocratas, o único setor que gera valor. Desse modo, os preços agrícolas deviam ser
os mais elevados possíveis (teoria do bom preço), a fim de gerar lucros e recursos para novos investimentos
agrícolas. Os consumidores seriam compensados pela cobrança de um imposto único
sobre a renda dos proprietários de terras e por medidas que reduzissem os
preços industriais.
A idéia de classe estéril resultou da reação fisiocrática contra a doutrina mercantilista. A
moeda passou a ter apenas função de troca e não de reserva de valor, pois este encontra-se somente na agricultura.
A indústria e o comércio constituem desdobramentos da agricultura, pois apenas transformam
e transportam valores. A terra produz valor por sua fertilidade, seguindo leis
físicas, ou de ordem natural. Desse modo, a agricultura precisava ser
incentivada para aumentar o produto nacional.
No entanto, não era isso que se via na prática: a agricultura era
penalizada pela ação
discriminatória do Estado. Quando havia boas colheitas, a
abundância de produtos reduzia os preços, pois os produtos não podiam ser
escoados de regiões com produção abundante para regiões com produção
insuficiente. Em caso de más colheitas, a escassez resultante de produtos
tendia a aumentar os preços. No entanto, os controles de preços do Governo,
para não elevar o custo de vida da população, não permitiam que os agricultores
saíssem do prejuízo. Ao mesmo tempo, eles eram sobrecarregados de impostos, uma
vez que o Governo obtinha suas receitas com base na classe produtiva. Os nobres
e o clero praticamente não pagavam impostos.
A redução do jugo do Estado poderia diminuir com uma conduta mais
liberal, deixando o mercado agir naturalmente. Turgot pregava a livre
circulação de bens e a liberdade total para empreender, assim como os
Fisiocratas, como uma maneira de desenvolver a economia. Com a presença de uma
lei natural regulando a ordem econômica, os homens precisam agir livremente; qualquer
intervenção do Estado inibiria essa ordem, ao criar obstáculos à circulação de
pessoas e de bens. Assim, eles propunham a redução da regulamentação oficial,
para aumentar a produtividade
da economia, e a eliminação de barreiras ao comércio interno e a
promoção das exportações. Ao se proibir as exportações de cereais, aumenta a
oferta interna e reduz os preços, o que reduz os lucros, impede novos
investimentos e diminui a produção na safra seguinte.
Em relação aos demais setores da economia, para manter baixos os
preços das manufaturas e beneficiar os consumidores, os Fisiocratas propunham o
combate aos oligopólios (poucos vendedores) e o fim das restrições às
importações. O pensamento fisiocrático era, portanto, liberal, traduzindo-se na
famosa divisa laissez-faire, laissez passer... (deixai fazer, deixai passar ...).
O principal defeito do pensamento fisiocrático era a premissa de
que somente a terra gerava valor. Com isso, eles se mantinham muito tolerantes em
relação à classe dos proprietários e à nobreza. Este era a diferença
fundamental entre os Fisiocratas e Turgot. Para este último, o valo rencontra-se
no trabalho e esse pensamento faz dele um precursor da Economia clássica.
3.2 ECONOMIA CLÁSSICA
O liberalismo e o individualismo dos clássicos estavam associados
ao bem comum: os homens, ao maximizarem a satisfação pessoal, com o mínimo de
dispêndio ou esforço estariam contribuindo para a obtenção do máximo bem-estar
social. Tal harmonização seria feita, segundo Adam
Smith (1723-1790), por uma espécie de mão invisível: o livre
funcionamento do mercado, com o sistema de preços determinando as quantidades a
serem produzidas e vendidas, gera automaticamente o equilíbrio econômico.
No preço correspondente ao equilíbrio, a quantidade demandada pelo
público corresponde às quantidades ofertadas pelas empresas. Não há excesso de
produtos não vendidos (aumento dos estoques não desejados), nem escassez dos
mesmos (consumidores não atendidos). O mercado funciona como se houvesse uma
mão invisível regulando o equilíbrio entre as quantidades ofertadas e
demandadas.
A idéia de satisfação pessoal dos consumidores e de maior
bem-estar do conjunto da população está relacionada com a doutrina hedonística
do prazer. Essa doutrina, igualmente presente entre os Fisiocratas, também leva
à idéia de racionalidade: os consumidores vão optar pela obtenção de maiores quantidade de
bens (maior satisfação) e pelo pagamento de menores preços; os produtores desejam
sempre maiores lucros, motivo pelo qual tendem a pagar menos pelos insumos e a
pedir os
maiores preços possíveis pelos seus produtos.
A Reforma protestante de João Calvino contribuiu para a difusão do
individualismo, mola mestra do pensamento clássico, ao defender o trabalho como
vocação e o sucesso pessoal resultante.
Quando todos trabalham arduamente para obter maiores salários e
maiores lucros, aumenta simultaneamente a riqueza nacional, o que gera novos
empregos, maior arrecadação de impostos e o desenvolvimento econômico. A busca
de maiores lucros, de fortuna pessoal, é motivada por uma espécie de egoísmo individual, mas que
leva ao bem-estar coletivo.
O pensamento dos economistas clássicos fundamenta-se, portanto, na
liberdade individual e no comportamento racional dos agentes econômicos. Ao
Estado caberia assegurar essa liberdade, proteger os empreendimentos e os
direitos de propriedade; manter a ordem e a segurança dos cidadãos; investir na
educação, saúde e em certas obras públicas.
Com a publicação da Riqueza
das nações, em 1776, tendo como experiência a Revolução
Industrial inglesa, em curso desde as primeiras décadas do Século XVIII, Adam
Smith estabeleceu as bases científicas da teoria econômica moderna (Smith,
1983). Ao contrário dos Mercantilistas e Fisiocratas, que consideravam os
metais preciosos e a terra, respectivamente, como os geradores da riqueza
nacional, para Adam Smith o elemento essencial da riqueza é o trabalho
produtivo. Assim, o valor pode ser gerado fora da agricultura, toda vez que uma
mercadoria for vendida a um preço superior ao seu custo de produção.
O trabalho fica ainda mais produtivo com o emprego de mais
capital; a maior produtividade resultante incrementa o valor do produto total,
por unidade de tempo. São as trocas e a expansão das áreas de mercado que
aumentam a demanda, possibilitando maior volume de produção, com menor custo (economias de escala),
mediante o emprego de trabalho e capitais adicionais. A sequência maior escala,
menores custos, maior produtividade dos fatores capital e trabalho e maiores
lucros
implica em novos investimentos e geração de novos empregos; em
suma, implica no crescimento econômico nacional.
Desse modo, quando os mercados tornam-se nacionais e
internacionais, fica possível a especialização
produtiva dos trabalhadores, o que gera a
seqüência referida. De outra parte, o aumento da massa salarial da economia
nacional dinamiza o setor de mercado interno. O aumento da produção desta vez
para satisfazer o mercado interno nacional possibilita nova divisão do trabalho
(especialização produtiva) e uma nova seqüência redução de custos médios e
crescimento econômico.
A economia de Adam Smith conhece, portanto, expansão contínua,
enquanto for possível ampliar a dimensão dos mercados e empregar novos
trabalhadores produtivos. A acumulação de capital desempenha também um papel
crucial ao aumentar a produtividade dos trabalhadores. O progresso técnico
resultante permite aos empresários o pagamento de salários mais elevados, enquanto
o crescimento demográfico e a concorrência entre os trabalhadores exercem
efeito oposto.
O pensamento de Adam Smith foi aperfeiçoado por seu principal
discípulo, David Ricardo (1772-1823), autor de Princípios
de economia política e tributação (Ricardo,
1982). Para Ricardo, o crescimento demográfico exerce efeito nocivo sobre a
economia, ao elevar a demanda de alimentos. Isso ocorre porque o aumento do
custo de vida repercute-se sobre a expansão dos salários industriais, reduzindo
a taxa média de lucro do conjunto da economia. Com isso, os investimentos
reduzem-se, afetando o nível de emprego e o produto total.
Desse modo, o grande problema da economia estava na agricultura,
pela existência de rendimentos decrescentes, à medida que ela mostrava-se incapaz de produzir alimentos baratos
para o consumo dos trabalhadores. Como a agricultura constituía mais de dois
terços do produto nacional, o aumento dos custos de produção da agricultura e a
conseqüente redução da taxa de lucro se repercutia automaticamente no conjunto
da economia, provocando estagnação econômica.
Ricardo elaborou a teoria da
renda da terra, segundo a qual, à medida que a população
cresce, ocupam-se terras cada vez piores, aumentando os custos na margem de
cultivo, enquanto a renda da terra, embolsada pelos proprietários, expande-se
nas terras de melhor fertilidade. Por definição, no início do processo de
ocupação de uma área geográfica, a população ocupa as melhores terras (tipo
A). Nessa área, não havendo nenhuma outra terra pior sendo
utilizada, não existe renda. A receita total gerada apenas cobre os custos e os
lucros são normais. O valor da produção, ou receita total, é distribuído
somente entre os capitalistas arrendatários e os trabalhadores.
Crescendo a população, aumenta a demanda de alimentos e os preços
sobem, o que justifica o emprego de terras piores, do tipo B. Nessa terra pior
não existe renda, pois, da mesma forma, as receitas apenas cobrem os custos de
produção. Nas terras do tipo A, no entanto, o maior rendimento da produção
agrícola por unidade de área gera uma receita maior do que os custos. Essa
diferença é a renda da terra que os proprietários embolsam.
Com o crescimento demográfico persistindo, os preços dos alimentos
sobem novamente. Ocupam-se terras ainda piores, do tipo C, embora nestas terras
as receitas apenas cobrem os custos totais. Os diferenciais de produtividade
geram, no entanto, uma renda nas terras do tipo B e uma renda ainda maior nas
terras do tipo A. Essas rendas decorrem, portanto, das diferenças da produtividade
da terra, sendo embolsada pelos proprietários, ficando os capitalistas
arrendatários apenas com o lucro normal.7
Ricardo demonstrou que, com o crescimento demográfico no longo
prazo, caem tanto os lucros dos arrendatários, como os salários reais (salário
individual/preço dos alimentos) e a taxa de lucro (lucro absoluto/capital
empregado). Por outro lado, aumentam os preços dos alimentos, os salários monetários
e a renda da terra dos proprietários. A queda da taxa de lucro reduz os
investimentos na agricultura e em toda a economia.
A solução apontada por Ricardo foi o controle da natalidade e a
livre importação de alimentos, para consumo dos trabalhadores. Com a importação
de alimentos, evita-se que os preços subam e que a agricultura se desloque para
terras piores, o que evita o aumento dos custos, a deterioração da taxa de
lucro e a queda dos investimentos em toda a economia.
A teoria da população de Thomas
Malthus, adotada pelos clássicos, diz que a
população aumenta em proporções geométricas (1, 2, 4, 8...), ao passo que, na
melhor das hipóteses, a produção de alimentos cresce a taxas aritméticas (1, 2,
3, 4...). A população crescerá sempre que os salários nominais (w) estiverem
acima do salário mínimo de subsistência (w*), definido por Ricardo como aquele
salário pago na margem extensiva de cultivo. Nesse caso, haverá incentivo para casamentos
precoces e aumento do tamanho da família. A população irá reduzir-se se os
salários
monetários pagos no mercado forem inferiores ao salário mínimo de
subsistência (w < w*); a população permanecerá estacionária quando tais
salários forem iguais por um período relativamente longo (ver Souza, 1999, p. 148).
A igualdade entre o salário nominal de mercado e o salário mínimo
de subsistência é uma característica do estado
estacionário, situação de longo prazo em que cessa toda
acumulação de capital. Isso ocorre porque a taxa de lucro de mercado (r)
iguala-se à taxa de lucro mínima (r*), definida como o juro pago pelo capital
emprestado (i), mais um pequeno diferencial correspondente ao risco dos
negócios (i*). Desse modo, o produto da economia não cresce mais, assim como o nível
de emprego e a população total.
O estado estacionário foi melhor estudado por Stuart Mill (1806-1873), em sua
obra Princípios de economia política (Mill, 1983). Segundo ele, tanto a concorrência entre os
capitalistas por melhores oportunidades de negócios, como o crescimento
demográfico, que leva o cultivo para as piores terras, aproximam o estado
estacionário, enquanto a livre importação de alimentos e as inovações tecnológicas
(recuperação de terras alagadas ou áridas, novos métodos de cultivo, sementes
geneticamente melhoradas, uso de fertilizantes e corretivos do solo) afastam o
fantasma do estado estacionário para épocas futuras.
Quando o progresso técnico deixar de ocorrer, em um futuro muito
remoto, o estado
estacionário acabará finalmente acontecendo. Toda a população,
porém, apresentará nível de vida tão elevado, que o objetivo social não seria
mais o consumo e o enriquecimento, mas o lazer e a busca do aperfeiçoamento
cultural e espiritual.
Como se percebe, os economistas clássicos enfatizaram a oferta,
isto é, o lado da produção. A idéia era a de que tudo o que fosse produzido
seria consumido. Essa suposição foi melhor explicitada por Jean-Baptiste Say (1767-1832),
ao formular a lei dos mercados (lei de Say) em seu livro Tratado
de economia política (Say, 1983). Segundo ele, “a oferta cria a sua própria procura”.
Isso se explica porque os clássicos supunham que a produção realiza-se
com proporções fixas, ou seja, todo acréscimo de produção exige o aumento simultâneo e
proporcional de capital e de trabalho.
Assim, ao aumentar a produção há ao mesmo tempo o pagamento de uma
renda na mesma proporção que irá ser gasta nessa produção adicional. Os
economistas clássicos supunham que a economia encontrava-se em equilíbrio com
pleno emprego de fatores, isto é, que ela sempre se encontrava sobre a
fronteira de possibilidades de produção. Uma nova acumulação de capital retirava
trabalhadores subempregados de outros setores e gerava um fluxo de renda correspondente ao
valor dos novos bens levados ao mercado, restabelecendo de imediato o
equilíbrio entre oferta
agregada e demanda agregada.
A lei de Say do equilíbrio dos mercados foi criticada por Thomas Robert Malthus (1766-1834),
em sua obra Princípios de economia política. Segundo ele, existem crises no sistema capitalista resultantes
do subconsumo da população, ou seja, do crescimento insuficiente da demanda efetiva8 (YD), definida como a soma do consumo agregado (C), gastos com investimento (I), gastos do Governo (G) e exportações menos importações (X-M). A demanda efetiva define, portanto, o
nível do produto total doméstico absorvido pela economia, em função de sua
capacidade
de pagamento.
O subconsumo decorre da redução gradual dos salários reais, o que
impede a população manter seu consumo em crescimento ou nos mesmos níveis ano
após ano. Com estoques não vendidos, as empresas reduzem a produção no período
seguinte. Se a queda do poder de compra da população for sistemática, a
acumulação de capital tende a declinar, assim como a oferta total (YS) e o nível de emprego. Desse modo, aumentos
de oferta não geram demandas adicionais no nível correspondente,
havendo uma tendência de YS manter-se acima de YD. A lei de Say não se verifica também, segundo Malthus, porque os clássicos não
levaram em conta os gostos e as necessidades dos consumidores e porque os
trabalhadores desempregados já
mantém algum nível de consumo prévio. Além disso, a paixão pela
acumulação e o receio da concorrência leva o capitalista a investir acima das
necessidades da demanda total.
3.3 ECONOMIA MARGINALISTA OU NEOCLÁSSICA
As idéias marginalistas surgiram por volta de 1870 como reação aos
movimentos socialistas de meados do século XIX, que eclodiram devido à
concentração de renda e à intensa migração rural-urbana decorrentes da
industrialização. Os marginalistas ou neoclássicos combatiam a teoria clássica
baseada no valor-trabalho e na idéia de que a renda da terra não era
socialmente justa.
Novas teorias foram desenvolvidas para o valor, distribuição e
formação dos preços.
Suas suposições são as de que a economia é formada por um grande
número de pequenos produtores e consumidores, incapazes de influenciar isoladamente
os preços e as quantidades no mercado. Os consumidores, de posse de determinada
renda, adquirem bens e serviços de acordo com seus gostos, a fim de maximizarem
sua utilidade total, derivada do consumo ou da posse das mercadorias. Essa é
uma concepção hedonista, segundo a qual o homem procura o máximo prazer, com um mínimo de
esforço.
Dados os preços de mercado, os produtores adquirem os fatores de
produção necessários a fim de combiná-los racionalmente e produzir as
quantidades que maximizarão seus lucros. Os fatores têm preços determinados por
sua escassez e utilidade no processo produtivo. Não há mais conflito entre as
classes sociais na distribuição do produto, como na Economia clássica, mas
harmonia entre
os agentes. Isso se explica porque, no pensamento marginalista, a
distribuição do produto efetua-se segundo as produtividades marginais de cada
fator; os salários passaram a ser flexíveis (determinados pela interação entre
a oferta e a demanda de trabalho) e não mais de subsistência (fixos), como no
pensamento clássico.
A essência do pensamento marginalista pode ser sintetizada em 10
pontos (Oser & Blanchfield,1983, p. 207):
1) raciocínio na margem: a decisão de produzir ou consumir vai depender do custo ou
benefício proporcionado pela última unidade;
2) abordagem microeconômica: o indivíduo e a firma estão no centro da análise, cada bem levado
ao mercado é único ou homogêneo, possuindo um preço que equilibra sua oferta
com a demanda;
3) método abstrato-dedutivo: abstração teórica, argumentação lógica e conclusão;
4) concorrência pura nos mercados, sendo o monopólio uma exceção: muitos vendedores e compradores
concorrem no mercado por bens e serviços; as firmas são pequenas e
individualmente não conseguem influenciar o preço de equilíbrio de mercado;
5) ênfase na demanda como elemento crucial para determinar os preços, ao contrário dos clássicos
que enfocavam a oferta, ou custo de produção;
6) teoria da utilidade: a utilidade que as pessoas têm no consumo dos bens, determinada
por seus gostos, influencia as quantidades demandadas de cada bem e, então,
seus preços. Há uma ênfase em aspectos psicológicos, com a consideração da
abordagem hedonista de prazer (satisfação) e sofrimento (custos);
7) teoria do equilíbrio: as variáveis econômicas interagem e o sistema manifesta uma
tendência ao equilíbrio pelo jogo das livres forças de mercado;
8) direitos de propriedade: cada proprietário recebe pela posse de um fator de produção, o
que reabilitou a renda da terra, considerada por Ricardo como um pagamento desnecessário
e improdutivo;
9) racionalidade: as firmas e consumidores maximizam lucro ou satisfação e não agem
por impulso, capricho ou por objetivos humanitários. Embora este último ponto
possa ser louvável, ele não faz parte das suposições econômicas marginalistas;
10) laissez-faire, ou liberdade de mercado: toda e qualquer interferência nos
automatismos do mercado gera custos e reduz o bem-estar social.
Em sua obra Princípios de
Economia, de 1890, o inglês Alfred Marshall (1842-1924)
realizou a chamada primeira síntese neoclássica, tentando conciliar os pensamentos clássico e marginalista, dando
nascimento ao termo neoclássico (Marshall, 1982).
Segundo os economistas neoclássicos, a utilidade de um produto
determina o valor dos bens, a quantidade demandadas e, então, o preço de
equilíbrio do mercado de cada bem. Isso foi representado por Marshall em um
gráfico de duas dimensões, determinando o equilíbrio
parcial pela interação da oferta e da demanda de cada
bem, segundo os seguintes passos:
1o - quanto maior a utilidade do bem, tanto mais ele será
procurado pelas pessoas e tanto maior será o seu valor e seu preço;
2o - quanto maior for o preço, tanto mais as firmas querem
produzir e vender tal produto;
3o - o equilíbrio do mercado é aquele em que há um preço único
para vendedores e
compradores, em que a quantidade demandada é igual à quantidade
ofertada, como se pode ver na Figura 2.1. Nessa figura, observa-se que quando
os preços são baixos, as pessoas desejam comprar maiores quantidades do
produto. Assim, quando o preço (P) for igual a 1, as quantidades demandadas (Q)
do bem são iguais a 40; com P = 2, Q = 30; P = 3, Q = 20; P = 4, Q = 10; P = 5,
Q = 0.
Essa relação inversa entre quantidades demandadas e preços gera uma curva de demanda negativamente inclinada. Para
derivar esta curva de demanda negativamente inclinada, Marshall supôs que, no
curto prazo, as utilidades marginais de cada indivíduo permanecem constantes,
isto é, que os consumidores são racionais e que os gostos não mudam.
A oferta apresenta-se regulada pelos custos de produção e uma
série de quantidades são produzidas em função de um conjunto de preços. Quando
os preços são altos, as empresas desejam produzir e vender maiores quantidades.
Com o preço igual a 5, as quantidades ofertadas pelas empresas são iguais a 40
unidades do produto; com P = 4, Q = 30; P = 3, Q = 20; P = 2, Q = 10; P = 1, Q
= 0. A relação direta entre quantidades ofertadas e preços gera uma curva de oferta positivamente inclinada.A
interação entre a oferta e a demanda determina o preço e as quantidades de
equilíbrio de mercado. Na Figura 2.1, observa-se que quando o preço do produto
for igual a 3, a quantidades demandadas são iguais a 20, as mesmas quantidades
que as firmas estão dispostas a ofertar no mercado. Este é o preço de
equilíbrio, em que não falta nem sobra produto no mercado.
Marshall manteve os princípios clássicos da “mão invisível” da
concorrência e a liberdade de mercado (laissez-faire). Esses princípios asseguram que a maximização de lucros leva os proprietários
dos fatores a receber de acordo com a contribuição de cada um no processo
produtivo (produtividade marginal). A produtividade marginal de um fator corresponde ao acréscimo
do produto total proporcionado pelo emprego de uma unidade a mais do mesmo. O
empresário terá interesse em empregar essa unidade adicional (por exemplo, o
operador de uma máquina) até o ponto em que o valor da produtividade marginal
for igual a seu preço (salário) (raciocínio pela margem).
Os salários e os preços, perfeitamente flexíveis, são regulados
pela oferta e demanda de trabalho, ou pela oferta e demanda de bens e serviços
no mercado. A produção obtém-se com proporções
variáveis de capital e trabalho, cujo emprego dependerá
de seus custos: um mesmo nível de produto pode ser obtido com mais capital e
menos trabalho e vice-versa. Na economia clássica, pelo contrário, a função de
produção apresentava proporções fixas: todo acréscimo de produção necessitava de adição simultânea de
capital e trabalho.
Uma diferença fundamental entre a Escola neoclássica e a Escola
clássica diz respeito à teoria do valor. Enquanto nesta última o valor é
determinado pela quantidade de trabalho incorporado nos bens, na primeira o
valor depende da utilidade marginal. Desse modo, pelo pensamento neoclássico, quanto
mais raro e útil for um produto, tanto mais ele será demandado
e valorizado e tanto maior será o seu preço.
3.4. ECONOMIA KEYNESIANA
Em sua obra Teoria geral do
emprego, juro e da moeda, John Maynard Keynes (1883-1946)
procurou apontar soluções para a crise do mundo capitalista (Keynes, 1990). Ele
explicou que o valor dos bens e serviços produzidos pelas empresas tem uma
contrapartida de renda, que são os salários, juros, aluguéis, impostos e
lucros; que essas rendas, encaradas como custos pelas firmas, na verdade vão
ser gastas em novos bens e serviços. O mesmo raciocínio vale para a economia em
seu conjunto. Se parte da população não pode gastar, por não ter um emprego, a
economia estará impossibilitada de produzir em níveis mais altos.
Esse é o fluxo circular de produto e renda, cujo funcionamento não
é automático e possui vazamentos: parte do dinheiro não gasto permanece entesourado em casa ou nos bancos.
Em outras palavras, o problema existe porque parte da poupança não é emprestada
e, portanto, não participa dos gastos. Desse modo, a demanda efetiva (YD) tende a ficar aquém das possibilidades de
produção da economia (YS). Keynes
identificou outros vazamentos, que ocorrem com as importações e com o pagamento
de impostos.
Para que esses vazamentos sejam compensados, em caso de recessão (YD < YS) é preciso que:
(a) os bancos elevem seus empréstimos para consumo e investimento;
(b) as exportações sejam estimuladas; e,
(c) o Governo aumente seus gastos.
O maior fluxo de renda resultante estimulará a demanda agregada (YD), retomando-se o caminho da prosperidade. No
entanto, é necessário que os gastos com investimento (I) sejam iguais às poupanças
(S)
realizadas em cada período. Como as rendas aumentam com a prosperidade geral da
economia e o consumo não cresce na mesma proporção, haverá uma tendência de S expandir-se de modo mais acelerado. Assim, o
investimento precisa crescer cada vez mais para absorver esse excesso de
poupança e manter o equilíbrio entre demanda agregada e oferta agregada (YD = YS). Contudo, as oportunidades de negócios rentáveis nem sempre são
suficientes para manter esse ritmo acelerado de crescimento do investimento. Sendo
S > I, o
Governo precisa aumentar seus gastos para compensar o excesso de poupança.
Keynes preferia que os gastos do Governo fossem investimentos em
áreas sociais, como escolas, estradas e hospitais, que acabariam beneficiando
também o setor produtivo. Esses preceitos keynesianos tornaram-se aceitos, ao
ponto do Congresso norte-americano aprovar, em 1946, a Lei do Emprego, segundo
a qual o Governo passou a ter obrigação de utilizar impostos na preservação do
nível do emprego.
Keynes baseou sua teoria na rigidez de salários (w), devido à
existência de contratos. Como os preços (P) também são relativamente inflexíveis,
pela concorrência e a própria recessão, o ajuste,
para evitar maiores quedas do nível de lucro
(p), é feito pela
demissão de trabalhadores (L). Isso pode ser demonstrado como segue: supondo
que os custos das empresas sejam predominantemente com salários (wL), então o
lucro será a receita total (PQ) - wL. Com a recessão, as quantidades Q se
reduzem, assim como os preços; para evitar maiores reduções dos
lucros, os salários w precisariam se reduzir, como eles são inflexíveis, então
as empresas demitem trabalhadores (L se reduz).
Este é o desemprego keynesiano, ou desemprego involuntário, situação
em que a pessoa não encontra trabalho aos salários vigentes. Os economistas
clássicos só admitiam o desemprego voluntário (as pessoas não aceitam trabalhar
aos salários oferecidos) e o desemprego temporário, existente enquanto as
pessoas trocam de emprego, ao passarem de uma atividade para outra.
BIBLIOGRAFIA
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Doutrinas Econômicas. São Paulo : Atlas, 1988.
HUNT, E. K. História do
Pensamento Econômico: uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro: Campus,
1982.
OSER, Jacob, BLANCHFIELD, William C. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Atlas, 1983.
SOUZA, Nali de Jesus. Desenvolvimento
Econômico. 4 ed., São Paulo : Atlas, 1999.
SOUZA,
Nali de Jesus. Curso de Economia. 2 ed., São Paulo : Atlas, 2003.